terça-feira, 17 de março de 2009

HUC

Ontem passei o fim da tarde e o início da noite nos HUC. O kiko minuin cá de casa fez um traumatismo nasal enquanto batalhava por mais uma meta no salto em altura seguido de cambalhota para trás. O kiko minuin cá de casa saiu do colégio com um saco de gelo no nariz. Chegou à consulta aberta cá do Burgo e lá limitaram-se a... medir a tensão à minha mãe, que desmaiou quando viu a linda cara do seu rico filhinho feita em nódoas negras e sangue ressequido a acompanhar a curvatura de um nariz um tanto estranho... Depois ligaram-me. Segui para lá com a minha empregada... que é uma pessoa que cumpre escrupulosamente os limites de velocidade e... por isso, nunca passámos dos 50. Ainda estive prestes a arriscar um "E se me deixasse levar o carro?", mas ela ia tão entretida a fazer piadas com medo que também me desse a mim um piri-paque, que decidi respeitar a solenidade que o momento exigia. Chegada ao destino, pego no kiko e sigo para os HUC. Antes, recomendo à diligente condutora que não deixe a minha mãe sozinha. Chegamos aos HUC e vamos para as urgências com uma carta com prescrição "cirurgia maxilo-facial". Chegamos lá e demoramos uns bons dez minutos a responder ao inquérito preliminar, tendo ficado devassada toda a vida do petiz e da ilustre acompanhante. Furtei-me a revelar o número de soutien, mas paguei caro o descaramento: "O rapaz entra sozinho." "Entra o quê? Seu cara de mal amado e mais mal ainda outras coisas? O rapaz entra comigo que o rapaz é menor." "É a lei, minha senhora." "A lei, mas qual lei?" "A lei do hospital." "Pois, mas olhe, não é a lei da nação. Por isso o rapaz entra comigo." Manápula no bracinho arrepiado da menina. Menina a entrar em processo de construção de fúria. Mãozinha da menina a erguer-se. Joelhinho da menina a ver a hora do golpe fatal. Nã... tu és uma lady, R. Maria. "Kiko minuin, vais entrar e dizer ao médico que a mana está cá fora, que és menor e que se não se importar deve vir cá fora dizer a este SECURITA que a mana pode entrar". Kiko a partir em direcção aos corredores. Macas a arrastarem-se. Kiko a dizer "Oh mana, não te enerves. O nariz está um bocadinho torto mas isto é cartilagem, deve ir ao sítio". Cá fora, no sítio de espera dos acompanhantes fora da lei (do hospital), nem uma cadeirinha de espera. Gente a gemer de aflição. Macas a passar. O rapagão sabedor e cumpridor das leis (do hospital) encostado à ombreira da porta feito pau de vassoura. Uns vinte minutos de angústia depois, uma voz tremelique: "A acompanhante do Kiko minuin do nariz em farelo que entre". Pus todo o meu melhor ar de pedante e passei feito cão por vinha vindimada pelo SECURITA. "Olhe, o Kiko se calhar tem de levar uma tala. Mas vai primeiro ao otorrino e depois logo se vê". Sala de espera. Uma mulher em pranto cai e nada. Levanta-se o petiz, com uma mão no nariz, e eu. E juntos, com apenas mais uma senhora, lá levantamos a caída. O petiz de mão no nariz foi o primeiro a acudir. Bendita educação. Que orgulho!!! Foi quase uma hora ali a penar. Pulseira amarela. O nariz amarfanhado. Um maço de lenços encharcados em sangue. Uma menina doutora e um menino doutor a mostrarem todo o bronzeado retinto às Maldivas um ao outro e a quem doer que espere. Cambada! E depois lá vamos à nossa vida. Senhor otorrino com muita pressa para jantar. Pinça no nariz do puto. "Ai que obstrução e inflamação." "Olhe, desculpe lá, mas o nariz está torto." "Está torto, mas passa!" Seis medicamentos diferentes, que nunca se sabe quando não é nestas coisas que se cativa um gajo para a propaganda médica... Então e... Então e tem alta. Ah, tá! "Oh mana, tenho de levar justificação." Meia volta à ré e vá de entrar outra vez no antro das urgências, nhac, para obter o ansiado papelinho. De caras com... o SECURITA. Munida de toda a minha ancestral sabedoria da arte de ser estúpida, colhida em elevados momentos de glória de alguns grandes mestres que acompanho na vida, só lhe reviro os olhos, franzo a testa e sussuro um: "NÃO SE ATREVA!". Calou-se! Do alto do meu magnânimo metro e cinquenta e sete, com umas sapatilhas de lantejoulas prateadas, pus o SECURITA no sítio. Senti-me poderosa a valer. "É fila única", espirra o projecto de mandão de dentro da secretaria. Oh rapaz, devias ter visto a ceninha que fiz ali ao teu amigo SECURITA para ver se não aprendias já a mandar um berro que só por si unificasse as filas! Comprovativo. Taxa. Viagem de regresso. Chegados ao Burgo, que não me arrisco a correr capelinhas farmacêuticas em Coimbra, vá de encontrar a de serviço. Entro. Deixo o petiz no carro, reclinadinho no banco do pendura. Com a minha receita tudo operacional. Com a do meu colega de chegada à farmácia é que não: "Ai não se percebe bem e tal, mas se calhar é isto" e um bom par de minutos naquilo. Ora rais partissimi que fazer-me de má duas vezes no mesmo dia é muita fruta para uma kika como eu: "Olhe, desculpe lá, mas na minha mui modesta opinião é melhor nestas coisas não irmos lá por processos adivinhatórios. E se ligassem ao médico?!" "Ah, pois... olhe... então é melhor amanhã ligar ao doutor e ele logo lhe confirma, não vá a gente dar alguma coisa trocada, como diz ali a senhora." Pagar. Chegar a casa. Mãe ainda em recobro. Pai chega atrás de nós, contactados que estavam já todos os amigos e amigos de amigos e amigos de amigos de amigos médicos... e... piri-paque também! "Oh homem, calma. Senta-te aqui." "Ai que eu não posso ver assim o meu filho. Ai, oh filho, ai que tu não tinhas assim o nariz." "Calma. Vamos ter calma. Eu sei que está torto. Mas vou marcar consulta no particular. Agora, a esta hora é que já não dá." Ah, tá! Todos três em lamúria. Olho-os e digo: "Amanhã já trato disso." Em coro: "Não!!! Vai trabalhar. Vai ler a tese!"
...
...
"Mas como? Se eu sou a única que ainda não desmaiou?"
Risos acompanhados de uma nervosa lágrima nos cantos dos olhos.

"Vá... leitinho quente, banhinho, chichi, caminha os três!"

Aiii... Vidas!

2 comentários:

  1. Fiquei cansada.... com a tua aventura. A cana do nariz do rapaz endireita-se. O pseudo macho alfa com fato de segurança vai demorar mais tempo a endireitar-se.
    Como nota de rodapé, informo que na Urgência dos Covões, já todos conhecem a lei da Nação. Tratei de a divulgar. Podendo optar entre HUC e Covões, prefiro este último e recomendo-o a toda a gente.
    C.A.

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  2. Que odisseia fantástica e que bela descrição.
    O mano vai ficar bom, a tempo de ir ver a mana defender a tese sem talas...

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