sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A partir de hoje

o meu irmão não é apenas vacinado... Ele também é maior.

Lembro-me de ir ver a Académica com o meu pai antes da visita. E de lhe ter comprado um garfield para oferecer. E um cartão com uma cegonha. A minha mãe guarda até hoje esse cartão. Lembro-me que era muito mais branquinho que os outros bebés do quarto. Tinha o cabelo quase branco de tão loiro que era. Lembro-me que chorava toda a noite. E dizia, num agudo ensurdecedor, mãããiiiiiiiiinnnnnn para chamar a minha mãe. Sei que os calos que mantém nos polegares são marcas de quem chuchou no dedo até aos cinco anos para dormir. Lembro-me de quando gravou o número da namorada numa calculadora. Tinha quatro anos e não escrevia depressa. Mas copiou de um dia que apareceu no nosso telefone. E que depois andou uma semana a falar com ela ao telefone e nós achávamos que ele estava a falar ao telefone só de brincadeira. Mas depois a mãe dela avisou que não. Que ele era um relógio, antes de jantar. Lembro-me de quando disse à educadora, de mini saia, "olha a velhota idosa da perna jeitosa". Lembro-me de quando ardia em febre. De quando fez chichi nas barbas do nosso pediatra. Lembro-me de quando só se calava a andar de burro e só comia faneca frita. Lembro-me de quando, às minhas queixas com latim, respondeu, pegando-me na mão, que difícil, mesmo difícil, é picotar cornos de borboletas sem os partir. Lembro-me de quando perguntou ao meu pai se não chorava porque eu não tinha lareira na minha casa de Coimbra e podia ter frio. Lembro-me que ficou doente uma semana quando entrei na faculdade. E que riscou um calendário em todos os dias em que estive em Itália. E que, mesmo assim, perguntava sempre ao telefone quantas noites faltavam para eu voltar. E eu respondia dias e ele pedia noites, porque, ainda hoje, do que mais gosta é de se deitar por cima da roupa, na minha cama, a falar da vida. Lembro-me de quando todos nós adormecemos e ele chegou atrasado ao exame da escola e chorou e nos deixou a todos a chorar de tão nervosos. Lembro-me de quando aprendeu a nadar, de quando tirou as braçadeiras pela primeira vez. Lembro-me de quando nos disse que as prostitutas são meninas que não têm pais porque podem chegar muito tarde a casa. Lembro-me de quando queria falar caro e então dizia "Oh mana, pára. Tu samacras-me!". Lembro-me de todas as abóboras que decorámos para a noite das bruxas. Lembro-me de quando dizia a minha mana já anda no liceu, depois vai para a universidade e depois já pode descansar. Lembro-me que quando a minha mãe foi colocada em Arouca e saía quando ainda estávamos a dormir e voltava quase quando já estávamos a dormir, ele se colava a ela feito lapa aos fins de semana. Lembro-me de brincar com ele na areia, de o levar ao circo, das manhãs de cinema infantil no Fórum de Aveiro. Lembro-me que fez um griteiro porque não arrancou a espada mágica na Eurodisney. Lembro-me que desde a primeira classe que é incapaz de fazer uma visita de estudo sem trazer alguma coisa para nós. Nem que seja um lápis. Lembro-me que pediu durante anos, de presente de Natal, um robô Emílio e que nós corremos tudo à procura do dito e ainda hoje acreditamos que ele sonhou com o brinquedo porque só ele é que o conhece. Lembro-me que tinha medo do escuro, que fugia de galinhas. Lembro-me que até há bem pouco tempo adorava pescar com o meu pai. Agora o hobbie é o paintball. Lembro-me que caiu do cavalo na segunda aula e que, logo a seguir, montou novamente. Lembro-me dos olhos a brilharem quando recebeu a primeira guitarra. E da emoção quando lhe dissemos que sim, podia encomendar a quinta daquela colecção que tem, que é uma eléctrica, PRS, toda xpto, que faz furor. Lembro-me de todas as audições de música, de todas as festas de Natal, de todos os espectáculos de dança. Lembro-me dos trabalhos de história em que me pedia ajuda, de lhe fazer perguntas para os testes, de lhe encadernar os livros e de a minha mãe se passar com aquela letra. Lembro-me de quando começou a ler e queria ler as placas dos nomes das terras e por isso chorava se nós andássemos a mais de 30 de carro. Lembro-me que dizia pláskito, que taus eram sapatos, que lula era madrinha, que fazia colecção de paus porque o Ti V. o ensinou a atar vides. Lembro-me de tanta coisa... Faz dezoito anos... E é meu mano.

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