segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Estamos cá para ver...

Vamos por partes. O Primeiro Ministro promete que, até ao final do mês de Outubro, emagrecerá substancialmente as despesas do Estado. Eu aplaudo. Mas. Pois, eu aplaudo com um mas. O mas, as reticências que ponho no meu aplauso, não são, note-se bem, uma tentativa dissimulada de manter a minha fatia de rendimento que provinha directamente de uma aposta mais ou menos recente do Estado, um Organismo de Investigação, mais propriamente, em que entrei desde a primeira hora. Não. Não mesmo. Se o quadro dos cortes na despesa for consequente e me provar por A+B as vantagens na eliminação daquele Organismo ou a sua reconfiguração, mesmo que isso implique o meu afastamento e o dos meus colegas, continuarei a aplaudir. Portanto, não é com o rabo preso que ponho um mas nos meus aplausos, como se, juridicamente falando, os meus aplausos pudessem dizer-se sob condição. O que me faz torcer o nariz é o pânico de corte cego e por onde for mais fácil, o que quase nunca corresponde ao corte sério e por onde seria mais justo. Há despesas que facilmente se eliminam, mas que, no plano global dos investimentos do Estado, significam muito pouco em termos financeiros comparativamente à importância qualitativa que vêm demonstrando. O corte nas bolsas de investigação (sim, sim, também me tocaria a mim, mas como ainda não tenho nenhuma atribuída e sou contra contar com o ovo no cu da galinha e tenho planos B e C, continuo à vontade para discutir), na contratação de professores, na abertura de concursos para a magistratura, na conservação de monumentos históricos, na reabilitação dos centros das cidades, na proliferação das opções de transporte público, no incentivo fiscal às PME, na dotação do Estado de meios de combate aos incêndios (estou cansada de ver começar a época dos fogos no dia a seguir a serem celebrados os contratos de prestação de serviços com os privados que andam por aí de helicóptero e tal), na valorização do trabalho agrícola, da pecuária e da pesca, e em tantas outras coisas que agora não me lembro, por si só, não resolverá nada. Não quero fazer papel de oposição, até porque, não tendo qualquer filiação partidária, como já aqui disse, simpatizo com este Ministro das Finanças. Mas a verdade é que as políticas que vimos seguindo me parecem assemelhar-se muito a quem vive de remediar situações. E eu não gosto disso. Não gosto de ter de decidir se cubro a cabeça e fico com os pés de fora ou se tapo os pés e me gelam as orelhas. E se há momentos em que essa ponderação ingrata é inevitável, não posso acreditar que um país com nove séculos de história ainda não está dotado de suficiente inteligência para sair da cepa torta. Portanto, eu estou ansiosa para ver os cortes na despesa que o Governo vai anunciar até ao final do mês de Outubro. Estou mesmo. E espero, sinceramente, que, pelo menos desta vez, o retrato do meu país não se aproxime de uma caverna com sistema wireless ou de uma alma faminta num desfile de prêt-à-porter. Estou a precisar que me invadam a alma de esperança, varrendo os fiscais de finanças que aplicam multas a quem transporta mais um cacho de uvas na dorna e fecham os olhos a quem traz carros da Alemanha e lhe muda as matrículas em garagens manhosas. Estou cansadinha de ver a Ti Isaura vender cabazes de sardinha a dois euros e ouvir que a nossa pescada vem do mar não sei de onde. Já não posso mais suportar que o leite suba quando passo na antiga ordenha da minha aldeia e ela está em ruínas. Deixei de ficar indiferente à necessidade de importar cereais quando disseram ao Ti Nuno que tinha de fechar o moinho. Sinto-me insultada quando o único aluno da minha mãe que tem escalão A é filho de um senhor que tem um jaguar. E quero mais é que vá tudo à merda quando dizem que as vacas são loucas, as galinhas têm gripe e os porcos tremem de febre, porque os velhotes da minha infância têm os currais vazios que já não conseguiam fazer dinheiro sequer para a farinha. Há dias em que, lamentavelmente, tenho de comprar uvas no supermercado. É que as vinhas do meu vizinho, onde as roubava com autorização, deram lugar a terrenos em pousio. E se há quem se queixe do desemprego, eu lamento, mas lamento mesmo. Mas lamento ainda mais que pouca gente arregace as mangas e se disponha a aceitar um trabalho. Ser contra, assim mesmo contra, sou contra o Programa Novas Oportunidades. Muito, muito contra. E não, não falo de cor. Já tive direito a sessão de esclarecimento com uma das responsáveis na capital e tudo. E continuo a ser contra. E sou contra, mesmo contra, a subsídiodependência. E também sou contra as verbas a Fundo Perdido para plantar kiwis ou criar minhocas. E acho que devia dar direito a usar da violência quando aparece uma daquelas alminhas do purgatório que se sentam nos rebates das capelas e dizem que querem uma casa. Eu também quero muita coisa. Mas, por agora, quero acreditar que ainda há gente capaz de pôr isto a andar no trilho. E é isto. Hoje deu-me para desabafar.

6 comentários:

  1. Grande texto! subscrevo ( com uma pequena reserva quanto às novas oportunidades, pois penso que podem ter eficácia, desde que se preserve um patamar de qualidade e exigência ). A propósito, no turno deste ano ouvi uma "progenitora" a quem pretendem (penso) "tirar" o filho alegadamente por vícios vários e imputada personalidade border line dizer, orgulhosa, que tinah tirado um curso nas "novas oportunidades" - durou seis meses e durante esses seis meses também teve acompanhamento psicológico lá no curso". Acabou o curso, acabou o acompanhamento psicológico...
    giro, não ?
    Ficou nas estatísticas socráticas... e continua com a mesma realidade frágil.

    Bj.
    C (en)

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  2. Minha querida,
    confesso que, mesmo em abstracto, aquela coisa da certificação de competências não me convence, mas então quando passamos ao plano da law in action é que o Programa me tira do sério. Não vi ninguém sair de lá mais culto ou, sequer, mais informado. Só tenho tido maus exemplos? É possível. Mas como acho que o que falta ao país é a valorização das profissões manuais, como os canalizadores, os trolhas, os padeiros, etc, as Novas Oportunidades não me convencem. Quando, de uma vez para sempre, se perceber que somos como as formigas, cada um com uma função, todos importantes, e que ser médico ou juiz não é mais digno que ser agricultor ou bate chapas, cursos, teses, créditos e coisas do género não me convencem. Além disso, tenho visto mais malandros a fazer pouco da profissão de estudante do que gente com vontade de aprender alguma coisa. Mas posso estar enganada. Concedo. Só que ainda não conseguiram convencer-me disso. A "progenitora" que ouviu é mais uma pincelada no quadro que venho pintando :)
    Beijinhos*

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  3. Ok, regressei aqui porque andava a ver tudo por alto para opinar que textos sugeriria para publicação em papel e, se na altura em que li pela primeira vez não escrevi nada porque estava sem tempo, agora preciso comentar. Sou completamente contra os centros novas oportunidades privados mas muito a favor dos públicos, onde a ideia poderia ser genial se estivesse a ser correctamente aplicada em todo o lado, tal como o é em vários países europeus. Para isso também era preciso que os professores não fossem obstinados resistentes à mudança. E porque dentro dos centros, e segundo o mesmo princípio de certificação e valorização de competências que leva a certificações escolares, podem ser reconhecidas, valorizadas e melhoradas competências profissionais e técnicas. No Centro de Formação em que trabalho existe um CNO com certificação profissional nas áreas de geriatria, acção educativa e electricidade e, pelo que conheço, acho que fazem um trabalho muito importante. Por exemplo: uma pessoa que trabalhe num lar de 3ª idade há mais de 10 e tenha aprendido com a prática do dia-a-dia a fazer e bem o acompanhamento de um idoso, não deve poder fazer prova das competências que adquiriu com a experiência e receber uma certificação profissional nessa área que lhe permita ter algum reconhecimento em caso de desemprego e ter de recomeçar do zero? E, caso se avalie que tem lacunas nas suas aprendizagens empíricas, essas podem ser complementadas com formação. Isto, ninguém me convence que é mau ou desnecessário.

    Depois, são os apoios a fundo perdido para reconversão de alguns terrenos agrícolas. Também sou completamente a favor, quando necessário. Por várias razões. Investir na agricultura e estimulá-la é importantíssimo para o país. Na zona de Cantanhede, trabalhei directamente com os agricultores nos ensaios de reconversão de terrenos onde antes era tradicionalmente cultivado tabaco para passarem a ser cultivados morangos aromáticos, framboesas ou feijão-verde. Quando se quer desincentivar o tabagismo mas muitas famílias dependem há décadas da cultura do tabaco para viver, é importante ajudar na reconversão, ensinar, formar e, porque não, apoiar financeiramente. Sem esse apoio, a mudança não aconteceria e os terrenos seriam abandonados - não falamos de agricultores ricos, nem toda a agricultura é latifundiária (felizmente).

    Era "só" isto. Mas tu sabes, no geral concordo contigo e mesmo no que discordo, confesso que percebo o teu ponto de vista - mas tenho sempre pena quando as excepções são penalizadas por tabela.

    Beijinhos!

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  4. Minha Raquel,
    olha... a sério, eu até concedo no que dizes, tal como adianto que posso ter tido o azar de só me aparecerem maus exemplos, mas a verdade é que a esmagadora maioria das pessoas que vi enveredarem pelas Novas Oportunidades não podem gozar sequer do benefício da minha dúvida. Vi terceiros a assumirem as rédeas dos trabalhos que era preciso entregar e, mais grave, vi muito pouca gente, dessa que, naturalmente, deve ver as suas competências reconhecidas por anos de trabalho, optar por este caminho. Do que conheço, o Programa serviu para financiar durante uns tempos gente que não está a trabalhar mas também não pretende trabalhar. Gente desorganizada que não se organizou mais por ir à escola. E isso aflige-me.
    Por outro lado, como sabes (acho :)), sou de pertíssimo de Cantanhede. Conheço a realidade de muitos dos subsídios atribuídos. Grandes projectos até interessantes mas que em pouco tempo caíram no esquecimento. Dá dó passar em frente a muitas estufas do tempo do dinheiro a rodos. Dá dó sobretudo porque as coisas não foram ao charco porque sim, foram muitas vezes ao charco porque o objectivo não era cultivar nada, não era fazer vida disso. Era encher os bolsos enquanto desse e depois marimbar-se para o assunto.

    Enfim... talvez, de facto, só me tenham aparecido maus exemplos.

    Beijinhos*

    P.S. Quanto ao desemprego: ando há dois meses a ver se arranjo uma empregada doméstica...

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  5. Mas olha que os meus senhores de Cantanhede continuam a produzir morangos, e maravilhosos! Sem estufas! ;) Tenho de ver se te arranjo a morada, provas aqueles morangos e pensas que estás a levitar.

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  6. Eu sei quais são :) São maravilhosos :) Tive um problema de saúde há uns tempos e só podia comer coisas passadas e precisava de comer muitos frutos vermelhos, pelo que os meus pais se abasteciam lá de morangos que depois a minha mãe passava :)
    Mas são uma excepção :) Uma deliciosa excepção!

    Manda-me a morada, mas acho que são os mesmos de que estou a falar!

    Beijinho*

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