quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Fica comigo

Fica comigo. Daqui a nada é noite e as noites custam, a mim custam, sobretudo quando os candeeiros da rua se acendem e as árvores e os prédios fronteiros logo diferentes, quase ninguém na rua, um miúdo com um cão lá ao fundo, uma tristeza parada na tonalidade do silêncio, estes móveis e estes retratos que não me ligam nenhuma, os teus passos na escada, tu no passeio: nem vou à janela olhar, não quero olhar. Fica comigo só mais um bocadinho, dez minutos, meia hora, sei lá, o tempo inteiro. ... Há alturas, imagina, em que penso que não existo e depois vem a aflição, o medo, o meu pulso tão rápido, ...
- O que se passa contigo?
e não sei explicar, é impossível explicar porque não se passa nada de concreto, ..., podia responder que uma coisa vaga e todavia não se trata de uma coisa vaga, trata-se de uma coisa real, verdadeira, uma sede não de água, de não sei quê, uma aflição de perda embora, que eu saiba, não tenha perdido nada, parece que está tudo como deve ser à minha volta e não está, não compreendo o que falta mas não está, tem paciência ajuda-me, fica comigo...

Fica comigo, Crónica de António Lobo Antunes

4 comentários:

  1. Lindo, maravilhoso. Já me senti assim! Só não sabia escrevê-lo assim!

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    1. Foi o que pensei. É assim que me sinto... e ando há muito tempo a tentar explicá-lo...

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  2. Como diria o Phyxsius... couldn´t have said it better myself

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