domingo, 2 de junho de 2013

Estado das coisas

Já aqui, pelo menos uma vez, falei sobre esta minha dificuldade em lidar com os atropelos à dignidade da pessoa humana, no caso, quase sempre das mulheres. Quando hoje, na ronda pelos jornais, me deparei com esta notícia, revoltaram-se-me novamente as entranhas. Não sei como, tinha-me escapado. Além disso, não tenho visto televisão e tenho ouvido pouco rádio. Pareço uma desnorteada do mundo, cansada de ouvir falar em crise, em défice, em troika, em desemprego, em fome, em doenças. De tempos a tempos acontece-me preferir uma cómoda ignorância de toda a sorte de acontecimentos reais. Tenho andado assim. Por isso é que só hoje é que perdi a fome para o pequeno almoço ao ler esta notícia. Venho-me perguntando, desde há bocado, que sentido pode ter uma coisa destas. Que estado do desenvolvimento civilizacional de um povo pode justificar que um dos mandamentos de auto ajuda seja manter reclusas as mulheres e castigá-las com violência sexual se optarem por portar-se mal, saindo à rua. E não encontro resposta. No exercício de resistência jurídica que faço muitas vezes ao pensar nestas coisas, acabo quase sempre por dar de barato que ainda haja que defenda a pena de morte em casos de homicídio, crimes sexuais ou outros violentos. E fico-me por aí. Concedo à pena um carácter de retribuição temperado por uma certa matriz de vingança... e consigo encontrar alguma racionalidade na transferência dessa demanda dos privados para as mãos do estado. Seja. Agora, se já me transcendem os casos de apedrejamento por adultério, ainda que se trate de regras onde a moral assume relações promíscuas com o direito, esta sugestão de violência sexual no caso de alguém pretender sair de casa é algo que me obriga a vergar perante o que milito pela tolerância e a perguntar se não é chegada a hora de, em vez de invadirmos países porque têm ditaduras políticas, os invadirmos quando vivem a tirania do masculino. Não sou nada feminista. Nada. Sou pouco de rótulos, valha a verdade. Acho muito que há papéis, não me diminui em nada assumir que convivo bem com isso. Mas há limites. E acho difícil que estes se ultrapassem de forma mais vil e grosseira do que por coisas como esta. Desaponto-me sempre com o mundo onde isto ainda é possível. 

Sem comentários:

Enviar um comentário