quarta-feira, 23 de abril de 2014

Assistentes (não) há muitos, seu palerma!

E eis que Seguro nos brinda, a 11 de Abril, com uma das suas mais brilhantes pérolas dos últimos tempos. Puxou pela cabeça, esmifrou o tico e o teco e... eh lá... teve uma ideia. Seguro propõe que os cidadãos possam constituir-se assistentes no processo legislativo. E, para o efeito, serve-se de uma analogia tão infeliz como a minha tentativa esporádica de fazer comida de jeito: a figura do assistente em processo. Logo no dia me apeteceu vir cá explicar-lhe o que é um assistente e que, sim, ele existe, mas não é nos processos em geral, é no penal em particular, mas a vida deu cambalhotas, mil coisas se impuseram e o tempo foi passando. Há pouco, vi-o na televisão e pensei cá para mim "Nem é tarde, nem é cedo!", enquanto voltava a rir-me de um riso nervoso com a ideia peregrina do homem. Ora então, vamos por partes (como diria o estripador). Assistente é, assim basicamente, um colaborador do MP no que tange à investigação dos factos e à condenação dos agentes, contra os quais está! Para ser assistente, a pessoa tem de ter um interesse especialmente protegido pela incriminação, o que, no caso dos crimes semi públicos, acaba por reconduzir-se à titularidade do direito de queixa. Mal e porcamente explicado, o assistente é o ofendido ou alguém por ele, que tem todo o interesse em apurar a verdade dos factos e em vertê-la no processo penal e que encontra a paz jurídica na condenação do agente do crime. O assistente é, pois, o gajo a quem bateram ou chamaram filho da puta ou, no caso de crimes cujo bem jurídico protegido não é titulado por um particular, a pessoínha que não gosta de genocídios ou corruptos. Haveria muito mais para dizer, mas o ensejo do post não é dar uma lição de processo, e sim perguntar ao Seguro se ele, por obra do acaso, pensa. Não posso ser cabra ao ponto de não fazer justiça ao Seguro, pelo menos na parte em que ele confere mais rigor à proposta e põe o assistente entre aspas. Alguém lhe bichanou que a coisa não estava mesmo certa e ele ainda tentou emendar a mão. Acontece, porém, que foi pior a emenda que o soneto. Para Seguro, "a sociedade é complexa e há gente no terreno que sabe muito sobre muitas matérias, mais do que os que legislam sobre elas". E eu cá, dou-lhe razão. Eu, por exemplo, sei mais que os tipos do gabinete de legística, que tiveram a infeliz ideia de transformar uma linda lei que ajudei a redigir numa inesperada cagada em três actos. Acontece que, primeiro, por cada dez pessoas que sabem muito sobre uma matéria, há pelo menos cem que apenas acham que sabem muito sobre aquela matéria, quando, na realidade, não sabem. É o trigo e o joio, percebem?! E acontece ainda, segundo, que não há muita gente que saiba muito sobre muitas matérias, porque as pessoas (o Seguro já devia saber isto), têm de fazer opções: ou bem que sabem muito, e então é sobre poucas matérias, ou bem que sabem pouco, e então já pode ser sobre muitas matérias. Saber muito sobre muita coisa é para génios e o Seguro, cheira-me, não estava a pensar nesses. Assim sendo, Seguro acabou por ditar-me a sua sentença de palermice, sem possibilidade de apelo ou agravo (piada básica... não resisti...): Seguro é dos que apenas acham que sabem muito, sendo ainda mais grave porque Seguro fala convicto de saber muito sobre muitas matérias, quando eu sou obrigada por ele a concluir que ele sabe pouco sobre quase nada. Estou triste com ele. Tinha ao menos idade para ter juízo. Podia escrever que está tudo mal e que os deputados já não chegam a acordo, quanto mais meter mais gente na AR (assim não haja inconseguimentos pela Presidente), mas acho melhor dizer que o problema de os deputados saberem tanto das matérias sobre as quais devem opinar como eu sobre lagares de azeite não se resolve com gente a assisti-los, mas com competentes a substituí-los. Enquanto os deputados forem escolhidos obedecendo mais ao critério do compadrio que da competência, não há processo legislativo são. Tal como não é expectável que ele apareça pelas mãos dos escritórios com interesses divergentes do interesse comum, do Estado. Enquanto legislar se fizer a la carte e por quem não leve a tarefa a sério e ache que fazer leis é cagar postas de pescada, não há serenidade possível. Quando, na separação dos poderes, se escolherem, finalmente, os que, não sabendo de muitas matérias, sabem muito sobre aquela para que são escolhidos, isto encarreira. Até lá, Seguro diverte-nos. Seguramente. 

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